A importância da combinação das cláusulas restritivas na elaboração do planejamento sucessório

A importância da combinação das cláusulas restritivas na elaboração do planejamento sucessório

Após o falecimento, é aberta a sucessão, com a imediata transferência da herança aos herdeiros. Geralmente, quando começada a divisão do patrimônio do de cujus, muitos são os conflitos enfrentados, afetando as relações empresarial e familiar que permeiam os bens deixados.

Na tentativa de se evitar os possíveis problemas que os herdeiros encarariam, tornou-se cada vez mais comum a elaboração em vida de um planejamento sucessório por donos de patrimônios robustos e valiosos, preparando seus sucessores para lidarem com os negócios familiares da melhor maneira possível, sem espaço para divergências e rivalidades.

A função do planejamento sucessório pode ser resumida em organizar e facilitar a partilha, pois direcionam a propriedade dos bens de forma inteligente e justa, considerando a vontade do titular e as características de cada herdeiro. Para isso, o dono do patrimônio pode se valer de muitos mecanismos, como, a realização de doações aos sucessores e a elaboração de um testamento.

No entanto, há situações nas quais o proprietário da futura herança não deseja que outras pessoas, senão seus sucessores, beneficiem-se com sua morte, razão pela qual é necessário, durante a realização do planejamento sucessório, observar as cláusulas restritivas de (1) incomunicabilidade – o bem pertence somente àquele beneficiado, independente do regime; (2) impenhorabilidade – não pode haver penhora sobre esse bem em virtude de dívida contraída pelo novo proprietário; e (3) inalienabilidade – o bem não pode ser vendido ou doado pela pessoa que o recebeu.

A cláusula de incomunicabilidade, quando aplicada sozinha, dentro de uma doação ou de uma disposição testamentária do bem, não produz plenamente os efeitos que deveria. Isso porque o bem incomunicável, apesar de somente pertencer ao patrimônio do beneficiado, sendo excluído da meação ou da divisão de bens durante o divórcio, pode ser vendido pelo proprietário caso inexista a cláusula de inalienabilidade, vez que esta não se torna presumida quando inserida a de incomunicabilidade.

Esse foi o entendimento da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça no REsp 1155547, ao julgar recurso interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, o qual negou pedido de beneficiária que desejava vender bem com gravames de impenhorabilidade e incomunicabilidade. O STJ alegou que as cláusulas são autônomas, com exceção da cláusula de inalienabilidade que, nos termos do artigo 1.911 do Código Civil, implica na imposição das outras duas. Assim, a incomunicabilidade e a impenhorabilidade não importariam na inalienabilidade, permitindo a venda do bem pertencente à beneficiária.

Se seguida essa linha de pensamento, é possível afirmar que a vontade daquele que pleiteou o gravame de incomunicabilidade e impenhorabilidade não será respeitada, pois caso essas cláusulas não gerem a impossibilidade de vender o bem, o dinheiro proveniente da venda poderá ser usufruído pelo cônjuge, desrespeitando a incomunicabilidade, ou penhorado por credores, ferindo a impenhorabilidade.

Isso ocorre porque a sub-rogação dos gravames de incomunicabilidade e impenhorabilidade exige caminho judicial próprio (artigo 725, CPC), impossibilitando a transferência automática das cláusulas existentes em momento anterior, vez que não é lícita a vinculação do próprio bem nem se pode permitir a transferência eterna das anotações gravadas.

Permitir a venda de bens que possuem as cláusulas de incomunicabilidade e impenhorabilidade é um meio de burlar a vontade daquele que realizou o planejamento sucessório de sua herança, mas já é o entendimento de alguns tribunais, inclusive do STJ. Portanto, é imprescindível, caso o desejo do testador ou doador seja de não permitir que ninguém além dos herdeiros se beneficie do patrimônio a ser deixado, que sejam combinadas as três cláusulas no momento de dividir seus bens (Publicado no Migalhas).

Mariana Barreto Ribeiro


DINIZ, Maria Helena. Código Civil Comentado. 12. Ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

GUILHERME, Luiz Fernando do Vale de Almeida. Cláusulas testamentárias limitativas da legítima e seus problemas jurídicos. In: Maria Helena Diniz – Coord. -Atualidades jurídicas, 5. São Paulo: Saraiva, 2004).

STJ. REsp 1155547/MG, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 06/11/2018, DJe 09/11/2018.