A responsabilidade civil de quem pratica o “cancelamento virtual” mascarado pelo direito à liberdade de expressão

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cancelamento virtual e os efeitos jurídicos

O presente artigo tem o intuito de analisar a relação existente entre a liberdade de expressão com a recente cultura do “cancelamento virtual” e quais os efeitos jurídicos decorrentes dessa relação. Atualmente vivenciamos um alto grau de exposição nas redes sociais como jamais visto, de modo que as pessoas, por causa dessa falsa sensação de proximidade e conhecimento da vida alheia, sentem-se no direito de comentar, julgar, noticiar e até mesmo “cancelar” o outro, tendo como principal justificativa o direito à liberdade de expressão garantido pela Constituição Federal.

A partir disso, pretende-se mostrar como o abuso desse direito, além de violar preceitos fundamentais e normativos, pode impactar negativamente a vida de quem sofre esse “cancelamento virtual” e como as pessoas que praticam podem ser responsabilizadas no âmbito civil. Desse modo, faz-se necessária uma análise acerca da relação entre as redes sociais e a consequente exposição exagerada da sociedade atual com o discurso de ódio disfarçado de liberdade de expressão na “Era do Cancelamento Virtual” e, como forma de impedir essa prática, quais as medidas a serem adotadas a fim de responsabilizar os “justiceiros” da internet.

O surgimento do movimento da “cultura do cancelamento”

Não se sabe ao certo o marco de surgimento do movimento conhecido hoje como “cultura do cancelamento”, mas foi no ano de 2017, com denúncias de assédio sexual em Hollywood e o surgimento do movimento “#MeToo”, que a corrente começou a ganhar força, ou seja, surgiu inicialmente como uma forma de chamar atenção para discussão de temas relevantes, com intuito de dar voz a essas pessoas e boicotar personalidades, famosas ou não, que, de alguma forma, cometeram atos ilícitos dentro ou fora da internet, cobrando ações e medidas de governos, grandes empresas, políticos, figuras públicas, entre outros.

Entretanto, percebe-se atualmente que o movimento ganhou outra forma e não é mais necessário que os indivíduos cometam crimes ou condutas manifestadamente reprováveis para sofrerem cancelamento virtual, pois até mesmo o silêncio sobre determinado assunto considerado de grande impacto social pode ensejar o cancelamento de determinada pessoa no meio virtual.

Assim, pode-se definir a cultura do cancelamento como um boicote às empresas, artistas, marcas, eventos, pessoas, políticos, famosos, entre outros, que em algum momento venham a agir de forma reprovável, ofensiva, preconceituosa, contraditória ou até mesmo por não se pronunciarem sobre assuntos tidos como de grande relevância. Mesmo assim, há quem defenda a ampla aplicação da “cultura do cancelamento”, principalmente nas redes sociais, porque, a partir dela, vários movimentos minoritários puderam expor fatos e acontecimentos antes não relatados e que violavam seriamente seus direitos.

Dessa forma, o movimento tomou tamanha proporção pelo mundo que o dicionário australiano Macquarie considerou o termo “cultura do cancelamento” como a expressão de maior relevância em 2019. Pode-se destacar inúmeros fatores para que esse movimento tenha tomado tamanha proporção, alguns deles seriam os perfis de fofocas em várias redes sociais, como Instagram e Twitter, em que é possível encontrar páginas voltadas apenas para “cancelar” indivíduos, sejam famosos ou não.

É importante frisar o fato de que não só “cancelam’ a atitude reprovável, mas também o indivíduo que a cometeu, não valendo de nada outras condutas corretas praticadas por ele anteriormente. Ainda, o tribunal da internet não leva em conta a época daquilo que foi falado, julgando e atacando as pessoas por algo falado há anos, não considerando possíveis amadurecimentos e mudanças de pensamento, posicionamento e atitudes ao longo do tempo.

Imperioso destacar que, após iniciado o movimento de “cancelamento” por um grupo determinado de pessoas nas redes sociais, essa onda de ataques afeta e muito a vida dos indivíduos submetidos a isso, principalmente no caso de pessoas famosas, que podem perder empregos, patrocínios e contratos, além de sofrerem com o surgimento de problemas psicológicos, como ansiedade e depressão, e no caso de empresas, que podem perder clientes e postos de trabalho.

Assim, de uma forma bem simples e resumida, percebe-se que a “cultura do cancelamento” tem o intuito de “punir”, de forma bem seletiva e subjetiva, os indivíduos que aos olhos dos “justiceiros” cometeram algo reprovável seja no âmbito da vida virtual ou real, já que enxergam como melhor opção promover o boicote generalizado de determinada pessoa/empresa ao invés de instigar o debate saudável em algumas situações.

Necessária, portanto, a discussão acerca dos limites da liberdade de expressão e até que ponto expressar uma ideia ou opinião pode ser considerada mera manifestação desse direito fundamental conferido pela CRFB/88 ou, de fato, um discurso de ódio, que gerará o “cancelamento virtual” de pessoas/empresas, revestido, supostamente, de boas intenções.

Como muito bem exposto pelo atual ministro Alexandre de Moraes, a liberdade de expressão é a própria consagração do pluralismo de informações, manifestações, ideias e opiniões, questões fundamentais à Democracia:

A liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática e compreende não somente a informações consideradas como inofensivas, indiferentes ou favoráveis, mas também aquelas que possam causar transtornos, resistência, inquietar pessoas, pois a democracia somente existe a partir da consagração do pluralismo de ideia e pensamento, da tolerância de opiniões e do espírito aberto ao diálogo. (MORAES, 2011)

No entanto, mesmo esse pluralismo de pensamentos sendo essencial à manutenção do Estado Democrático de Direito, esse “cancelamento virtual” generalizado e imediato que estamos presenciando atualmente faz com que não haja a tolerância de opiniões tampouco diálogo entre as pessoas, outros pressupostos fundamentais à Democracia, gerando, infelizmente, uma espécie de “censura” ao invés de incentivar o debate.

Para ler o artigo de Mariana Barreto Ribeiro e Marina Ratti de Andrade na íntegra clique aqui.

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