Por que alguns países ficam ricos e outros não?

Por que alguns países ficam ricos e outros não?

Uma consequência natural da volta da esquerda ao governo brasileiro foi a retomada da discussão teórica sobre a forma pela qual o país deve buscar o desenvolvimento. Nas últimas décadas, o debate foi praticamente abandonado pela mídia – não pela academia -, sob a domínio arrasador de ideias liberais.

Não se trata, é claro, de uma discussão unicamente brasileira. Embora no Brasil ela esteja fortemente ideologizada, a discórdia entre economistas liberais e desenvolvimentistas é um fenômeno antigo e global, inerente ao capitalismo. Trata-se, em poucas palavras, de responder a uma pergunta elementar: por que alguns países ficam ricos e outros não?

De acordo com o nosso sócio Luis Felipe Cardoso Oliveira, essa é a discussão mais profunda e interessante que temos a travar enquanto sociedade.

Me chama atenção o fato de que sem desenvolvimentismo de Estado, poucas ou quase nenhuma nação se enriqueceu (a matéria afirma apenas Hong Kong e Suíça como exceções mundiais).

Também enfatizo o fato de que índices menos controláveis por políticas públicas como juro e câmbio podem frustrar a expectativa em torno de determinada escolha ideológica.

O ponto é que o debate estará posto e, com um cenário mais ou menos ideal, novamente seremos ratos de laboratório de uma nova tentativa.

Os primeiros sinais, ninguém anda negando, são bons, mas os problemas nunca vieram de começo…

Para os liberais, o caminho para a riqueza são as estratégias de “laissez-faire” doméstico e livre comercio internacional, com mínima intervenção do Estado. Por isso, ao governar, promovem desestatizações e redução radical do tamanho do Estado. Aceitam um grau mínimo de intervenção estatal, para corrigir falhas de mercado, com a justificativa de que as falhas de governo sempre são mais perigosas que as de mercado.

Para os desenvolvimentistas, é indispensável a intervenção ativa do Estado no processo que vai tornar os países ricos. Eles apresentam argumentos teóricos e empíricos, mas também evidências históricas para justificar a intervenção. Com as peculiares exceções de Hong Kong e Suíça, não há outro caso, inclusive a Inglaterra em sua revolução industrial, de país que tenha alcançado o status de desenvolvido sem a adoção de políticas industriais, subsídios e outros mecanismos de proteção do Estado.

Essa discussão teórica começa voltar à mídia tradicional e já está acesa nas redes sociais. A Editora Contracorrente pôs à venda o livro “Desenvolvimento e Estagnação – O debate entre desenvolvimentistas e liberais neoclássicos”, do professor de economia da UFF André Nassif. Em trabalho robusto, o economista procura ampliar e organizar esse debate teórico entre as duas correntes. A ideia do livro é apresentar um texto cujo entendimento não fique restrito a economistas e estudantes de economia, sendo acessível a todos os interessados no tema.

Essa discussão teórica não é trivial, porque o bem-estar das novas gerações de brasileiros depende do sucesso das estratégias econômicas escolhidas. Nassif se declara desenvolvimentista e considera que, no mundo periférico (não desenvolvido), o Brasil é um exemplo onde se registram, de forma bastante clara, duas fases distintas. A primeira, entre 1950 e 1980, em que políticas econômicas foram fortemente influenciadas pelos desenvolvimentistas. A segunda, de 1990 até agora, marcada pelo domínio das ideias liberais. De 1950 a 1980, o Brasil seguiu trajetória relativamente sustentada de crescimento econômico e, desde 1980 até agora, não conseguiu se livrar da estagnação. “Isso não foi por mero acaso”, escreve o economista.

O pensamento desenvolvimentista sustenta que as políticas industriais precisam voltar a ser planejadas no Brasil, a exemplo do que ocorre no mundo desenvolvido, onde as ideias liberais perderam espaço na pós-pandemia. Nos EUA, programas governamentais de estímulo industrial já envolvem trilhões de dólares e vão mobilizar setores inovadores, principalmente na área de tecnologia. Na Franca, na Alemanha e em toda a Europa, também já há programas explícitos de industrialização aproveitando a “janela” gerada pelas novas tecnologias e pela premência das transformações para uma indústria de baixo carbono.

Por que, no Brasil, os economistas liberais continuam radicalmente contra a adoção de políticas industriais? Para responder, Nassif cita uma frase da ex-primeira-ministra do Reino Unido Margaret Thatcher, que nos anos 1980 foi grande estimuladora da virada global para o neoliberalismo, juntamente com o então presidente dos EUA Ronald Reagan. “Meu objetivo não é mudar a ideia das pessoas, é mudar a alma” – teria dito Thatcher. Em entrevista a Mario Vitor Santos, Nassif deu seu veredito: a ideologia liberal estaria encrustada na alma dos economistas brasileiros, que ele chama de “liberais neoclássicos”, treinados em universidades americanas. Eles seriam mais liberais do que os “sofisticados liberais” dos EUA, como Anne Kruger, Dani Rodrik, Paul Krugman e Joseph Stiglitz.

A política desenvolvimentista brasileira de 1950 a 1980, mesmo com erros, deu resultado e o país cresceu acima da média mundial. Por que, então, fracassaram as novas tentativas nos governos Lula e Dilma? Os próprios liberais observam que o fracasso se deu mais por falhas na governança e apropriação de políticas por grupos de interesse do que por inconsistência teórica. Nassif admite o fracasso, mas tem outra explicação: as políticas públicas não foram pensadas de forma integrada e ficaram desconectadas do regime macroeconômico.

“Se você tem um regime macroeconômico que mantém as taxas de juros, bases do custo de capital, tendencialmente elevados e se você tem taxas de câmbio tendencialmente valorizadas, esquece, não haverá desenvolvimento”, diz Nassif. Juros e câmbio são os dois preços macroeconômicos mais importantes para a tomada de decisão do empresário de investir e tirar a economia da estagnação.

Na defesa de sua tese, Nassif argumenta, no livro, que a corrente desenvolvimentista não se restringe à sustentação do crescimento econômico. Envolve também profundas mudanças estruturais, especialmente o aumento da participação dos segmentos tecnologicamente mais sofisticados no PIB, aprimoramento da infraestrutura física e humana (educação, saúde, cultura, lazer), redução da desigualdade social e garantia dos direitos de cidadania. Cita Amartya Sen para dizer que o desenvolvimento envolve direitos que transcendem o campo da economia, como o exercício pleno da liberdade. Para isso, é necessário que se removam “a pobreza, a tirania, a carência de oportunidades econômicas, a destituição social sistemática, a negligência dos serviços públicos e a intolerância ou interferência excessiva de Estados repressivos”.

“Infelizmente, esses problemas estão longe de ser resolvidos no Brasil”, lamenta o economista.

Valor Econômico